Quando se reflete sobre o episódio de Realengo, duas conclusões são obvias. A primeira: o assassino sofria de graves problemas mentais. A segunda: sem o comércio ilegal de armas, sem acesso a uma arma de fogo, ele não conseguiria produzir uma tragédia de tamanhas proporções.
Mas a doença mental e o comércio de armas são o suficiente para explicar o ocorrido? Talvez não.
Quando alguém, em momento de transtorno mental, diz: "Sou Napoleão Bonaparte", essa pessoa está indicando uma forma, dotada de significado cultural, necessária para expressar e realizar os desígnios de seu transtorno. Sendo assim, é razoável supor que o mesmo tipo de transtorno se manifeste de forma diferenciada em ambientes culturais diferentes.
Cabe, portanto, examinar o quanto a cultura da violência é um terceiro fator, necessário à ocorrência de episódios como o de Realengo, que não é o primeiro. Houve caso recente, em um shopping em São Paulo, com características semelhantes.
70% da cinematografia importada, apresentada nas TVs brasileiras, pode ser enquadrada no mesmo modelo de filme onde um homem (raras vezes uma mulher) com uma pistola na mão, resolve todos os seus problemas, matando seus inimigos e assim eliminando todo o mal. Essa cinematografia é complementada por outros tantos videogames com o mesmo apelo cultural. E, se a propaganda influencia nossos comportamentos, porque com esses produtos culturais seria diferente?
Em vista do alcance da tragédia é preciso perguntar até que ponto essa cinematografia contribui para dar forma à certos tipos de transtorno mental, até que ponto interessa importar a cultura da violência, quantos episódios como o de Realengo serão necessários para que se desenvolvam ações para reverter esses processos?
Leo Mesentier é Arquiteto do IPHAN e professor da UFF.