terça-feira, 29 de março de 2011

Financiadora da Cultura: nova ferramenta para um novo modelo de fomento à cultura


Hoje, o Estado brasileiro já tem iniciativas de fomento que, em tese, deveriam ser suficientes para a estruturação dessa economia ou atendimento de demandas culturais dispersas. No entanto, persiste uma sensação de ineficiência dos mecanismos atuais. Essa sensação tem várias origens: algumas, relacionadas ao aparato burocrático pesado e, outras, às poucas modalidades de fomento. Derivam também do fato de que as ações de fomento à cultura estão dispersas em diversas estruturas da Administração Pública Federal, o que não favorece a racionalidade e a economicidade dos processos, além de facilitar os constantes embates acerca dos parâmetros para avaliação, acompanhamento e fiscalização.
O projeto de lei PROCULTURA, como aprovado na comissão de Educação e Cultura no ano passado, proporciona alguns avanços importantes, como a regulamentação do repasse entre os entes federados. Mas é importante perceber, também, que não há mecanismos alternativos de fomento à renúncia fiscal e ao fundo perdido – com exceção do audiovisual, que conta com os FUNCINES e o Fundo Setorial. Com isso, uma série de atividades fica alijada do apoio estatal.
Objetivamente: precisamos desenvolver uma diversidade de mecanismos de apoio e fomento direto que correspondam melhor à diversidade de estratégias elaboradas pelo setor cultural. Não podemos contar com soluções mágicas, mas considerar que a complexidade dos desafios exige soluções sistêmicas.

domingo, 20 de março de 2011

Realmente causa espanto o financiamento de um projeto a um artista brasileiro?

Nesses primeiros meses de 2011, me acostumei a acessar os meios de comunicação, sejam físicos (sim, eu ainda leio jornais e revistas impressos!), eletrônicos ou as redes sociais, e ter sempre notícias sobre o quadro político da cultura brasileira em evidência.

Nunca antes na história desse país (confesso que não resisti!) tanto se falou e tantos falaram, em política cultural. Confesso que gosto dessa movimentação, do burburinho, de ser instigada a refletir, criticar... e algumas vezes ser convocada a opinar sobre as ‘coisas’ da cultura. Afinal, questões que motivam parte significativa de minha vida, esforço de pensamento e elaboração, passaram a fazer parte do cotidiano de incontável número de pessoas. E mais... passaram a ser tema importante, não apenas para aqueles que como eu fazem da Cultura seu ganha-pão. A política cultural ganhou corpo e mundo, se tornou assunto cotidiano.

O que tomou a cena nesse último período foi a notícia da autorização por parte do Ministério da Cultura para a captação de recursos de um projeto da cantora Maria Bethânia. Mas, porque tanta indignação, protestos, tantas declarações? Em minha avaliação, essas vozes falam menos de um espanto ao financiamento a um artista brasileiro e mais da real necessidade de mudança dos padrões que regem o fomento cultural no Brasil, e a urgente necessidade de atualização de seus padrões legais. Afinal, a política cultural brasileira ainda se enquadra na Lei Federal de Incentivo à Cultura, de 1991, mais conhecida por Lei Rouanet. Instrumento que conduz desde então a política de fomento do estado brasileiro e estabelece suas bases legais, tanto para incentivos fiscais, quanto para o Fundo Nacional de Cultura (FNC), constituído por recursos a programas, projetos ou ações culturais.

O caso da Abelha Rainha e a autorização para a captação podem ser importantes, mas apenas fazem parte de um dos muitos atos de uma intrincada história e no seu decorrer tem revelada a trama central: a Lei Rouanet se esgotou. É verdade que a mesma cumpriu, em parte, o objetivo inicial de facilitar os meios de acesso à cultura e que foi essencial para a sobrevivência de muitos artistas no período neoliberal. Mas, também o é, que a mesma traz em si uma marca ideológica: a de que o condutor da política cultural não é o Estado, mas sim o mercado, que submete a política de financiamento a interesses de grandes grupos e prioriza nomes consagrados em detrimento de iniciantes ou dos que tem menos poder de barganha. Além disso, é importante destacar outro elemento da historieta: o dinheiro, mesmo que ainda tenha que ser captado, deve ser compreendido como recurso público, já que o Estado brasileiro renuncia a entrada em seus cofres, de certa forma, também abrindo mão do poder de decidir onde alocar tal recurso.

O desfecho dessa trama ainda demora a se dar, mas espero que os condutores da política cultural brasileira, assumam os seus papeis de protagonistas da história. O MinC, reabrindo o debate sobre o Procultura, que baseará os novos mecanismos de fomento a cultura no Brasil, e o encaminhe ao Congresso Nacional. Os agentes culturais, participando ativamente (como há muito fazem) e cobrando respeito aos mecanismos democráticos de participação e agilidade na condução do processo.

Eu daqui continuo acompanhando atentamente a história, esperando que seu desenrolar desloque o foco da indignação da sociedade: de uma artista brasileira para a política de fomento a cultura. As próximas cenas prometem ser eletrizantes.

Roberta Martins é produtora cultural

sexta-feira, 18 de março de 2011

Ou isto ou aquilo não é eis a questão - continuidade nas políticas públicas de Cultura

A construção de políticas públicas e a absorção destas em políticas de Estado levam tempo e esforço variados. O Sistema Único de Saúde (SUS) segue em processo de transformação contínuo, sendo inegável sua importância para a universalização do acesso 22 anos depois do início de sua implementação. E demonstra que só a mera inclusão de artigos e termos na Constituição ou em Lei não garante a efetivação de uma política de interesse social.

Em se tratando da pauta da Cultura, em que os princípios ainda não foram devidamente absorvidos por todos os atores da sociedade, muito menos garantidos em Lei, é evidente que mudanças de equipe e mesmo de rumo preocupem quem vive a pauta no seu cotidiano. Com todos os avanços do Governo Lula e da gestão de Gil e Juca, pequenas foram as vitórias que podemos contar como fato neste âmbito. Dos grandes projetos de lei em discussão no período, somente o Estatuto dos Museus e o Plano Nacional de Cultura – tanto a PEC quanto a Lei – foram aprovados e sancionados. Portanto, a maior parte da pauta ainda se encontra no Legislativo e outras tantas, como o debate sobre a Reforma da Lei do Direito Autoral, ainda não chegaram a casa.

Outro aspecto relevante é que a ausência de dados organizados provocou um encontro às cegas com a necessária gestão da cultura. É mérito que hoje tenhamos números para citar e consolidar nossos argumentos, embasando nossas lutas com dados factíveis e não somente com o senso comum inquestionável de que todos/as precisam de entretenimento e de alimento cultural. A publicação “Cultura em Números” apontou as necessidades da população brasileira, configuradas principalmente na ausência de equipamentos nos municípios e no custo do acesso aos bens culturais onde estes se encontram.

Daí que vale a pena refletir sobre aparentes dicotomias no momento atual do Ministério da Cultura. A primeira delas se refere à relação entre cidadania e arte, que se instala principalmente quando a discussão do acesso e democratização dos meios de produção aparece como forma e método. É claro que, com a ausência de oportunidades, vivida no período anterior a 2003, era necessário dar amplitude conceitual e territorial, valorizando expressões e temáticas que não mereciam atenção do Estado, configurando um quadro de exclusão real. Ao mesmo tempo, aqueles que detinham as relações de poder vigente, mesmo não sendo colocados ao largo – haja vista a expansão de recursos também para as artes - se viram surpreendidos por uma política cultural que valoriza o diverso e o comum. Daí que passados oito anos de expansão de conceitos e práticas, é fundamental agora que o MinC busque o equilíbrio entre os trabalhadores da Cultura, a consolidação da cidadania cultural de cada cidadão/ã e a organização e regulação do mercado para uma economia da criatividade que gere benefícios para o país.

Nesse sentido, é óbvio que os Pontos de Cultura provocaram intensas transformações no cotidiano das políticas públicas do segmento, criando uma nova dinâmica de atuação e organizando movimentos e grupos culturais que até então atuavam localmente, muitos de forma também isolada. A visibilidade e redescobertas que as Teias provocaram, junto com os Micro-projetos Culturais e as políticas da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural, é algo valioso porque deu voz e organicidade.

Se, particularmente, pudesse escolher um só legado do Governo Lula, escolheria este. Somos milhares de agentes de Cultura e hoje sabemos onde estamos, nos comunicamos cotidianamente, identificamos e lutamos por pautas comuns tanto quanto abraçamos causas diversas que dizem respeito a determinados segmentos. É essa efervescência que hoje reivindica espaço nas decisões e na condução da política e isso deve ser valorizado como legado e base estrutural para o sucesso do Ministério.

As transformações que o Brasil vive neste período não se refletem no campo da criação artística e estética em termos de pujança. E sabemos como é importante que o conjunto das expressões artísticas influencie para a construção de valores e da identidade. Re-significar a relação com a arte como algo importante para o momento de crescimento do país é também fundamental, e, portanto, algo que retro-alimenta tanto a cidadania cultural quanto a questão econômica.
De forma alguma, trata-se de optar por uma área ou de igualar segmentos e investimentos por parte do Estado. Até porque a preocupação com o acesso foi relegada e ainda será necessário muito tempo e investimento para dar qualidade a este ponto. O objeto é dar tratamento à criatividade, operando para a ampliação dos direitos e das oportunidades – nos âmbitos do território e da diversidade.

Outra questão é a relação entre espaços culturais e investimento em grupos e movimentos já existentes, expresso atualmente nas Praças do PAC. Este projeto foi lançado como Espaço Mais Cultura em 2009 e agregado às praças como parte da estratégia do Governo Lula. Nasceu da real verificação de que a ausência de espaços culturais compromete a fruição e a produção cultural nos diversos municípios brasileiros sem cinema, teatro, museus ou quaisquer equipamentos. Ou seja, mais uma vez não se tratar de opor os investimentos já realizados, como no Programa Cultura Viva ou nos Editais voltados para as artes, mas de suprir uma necessidade. Não precisamos ir muito longe para saber o impacto que a Biblioteca Parque de Manguinhos (RJ) provocou na vida dos moradores daquela região.

Temos também, para o novo período, a reforma da Lei do Direito Autoral. Mesmo com a consulta pública e os debates realizados em cinco anos, parte da população e mesmo da militância não compreende a disputa econômico-financeira ou como isso afeta o cotidiano de todos. O Ministério da Cultura deve colocar a público, o quanto antes, o projeto elaborado pós-consulta e enviado para à Casa Civil. É uma saída justa para todos os posicionamentos, que, se bem ajustada na velha mesa de negociação, talvez inspirada nas experiências do movimento sindical, pode trazer à tona soluções que digam respeito ao nosso novo papel no mundo e às nossas necessidades, a partir das novas mídias e tecnologias.Ao mesmo tempo, o grande desafio das políticas culturais é o da perenidade. É por isso que lutamos para a consolidação de planejamentos de longo prazo que ultrapassem governos e possam dar escala às ações e aos programas. Daí a importância do Sistema Nacional de Cultura e do Plano Nacional de Cultura – que foi sancionado em dezembro de 2010 e deve ter suas metas definidas, em Decreto da Presidenta Dilma, até o junho.
É preocupante que, no momento em que deveríamos refletir sobre nossas conquistas, debatendo a melhor maneira de ampliá-las, nos vejamos num grande cenário de instabilidade.

As pautas da Cultura no Congresso permanecem lá, e continuam dependendo de nossa mobilização para serem aprovadas. Cabe aos movimentos culturais, e não apenas aos gestores do MinC, envolver toda a sociedade no debate sobre as metas do Plano Nacional de Cultura – algo que está se perdendo com a tendência atual de eleger a pauta da mídia como foco das discussões sobre o setor.Vivemos um momento especial da democracia brasileira em que é absolutamente possível realizar o conjunto de debates que os/as militantes da Cultura do Brasil precisam. Ao movimento cabe estar nas ruas defendo uma pauta ampla. Ao Ministério que se forma, cabe abrir a suas portas e ouvir cada vez mais a voz das ruas e cumprir cada vez mais seu papel.

Morgana Eneile é Secretária Nacional de Cultura do PT.

Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicão e da Cultura