SALINA
OS NEGROS GUERREIROS E AS MULHERES GUERREIRAS POR SI MESM@S
(por Geovane Barone)
Salina (a
última vértebra), o novo espetáculo da Cia. Amok, é com certeza um dos melhores
espetáculos desta temporada. Dirigido por Ana Teixeira e Sthephane Brodt, está
em cartaz até 29 de março no Teatro SESC Copacabana. Rico em imagens, cores,
sons, movimentos corporais aliado a força de excelentes atores e atrizes
negr@s.Somos levados na arena do começo ao fim para um universo onde o esforço
e a beleza são explorados ao extremo. Três horas de prazer sinestésico: a
plateia é levada a um ritual, ficamos tão imersos que nem nos damos conta do
tempo fora do palco.
A personagem-título é obrigada a casar com
um homem (que não queria) por determinação da família do noivo. Tudo em função
da lei de casta e de títulos. Ela nega e diz querer casar com o irmão dele. Quer
ter o direito de escolher e rompe com a tradição. Não sendo ouvida, jura ódio
eterno ao marido. E passa a ser violentada pelo mesmo. Até nascer um filho que
ela detesta tanto como o pai: Mamuyê Djimba. Ferido numa guerra sangrenta, o
marido pede ajuda a Salina que nega. Ela é banida da cidade pela lei do reino e
passa a viver no deserto. Sozinha tem
outro filho pelo ódio e prepara formas de se vingar, enquanto o seu amado
guerreiro - irmão do seu ex-marido - Kano Djimba reina.
No segundo ato, um momento de destaque é
quando a esposa de Djimba, Aike encontra com Salina - já velha e desprezada - e oferece um de seus
filhos para ela cuidar como pedido de perdão pelo seu longo sofrimento. Momento
que Aike faz o papel do espectador que tem compaixão pela protagonista. Momento
catártico e dialético. O filho parece ser o símbolo do poder do perdão e do
amor como caminho, mesmo quando estamos imersos no ódio.
O elenco composto por Luciana Lopes, Sergio Ricardo Loureiro,
Tatiana Tibúrcio, André Lemos, Thiago Catarino, Ariane Hime, Graciana
Valladares, Reinaldo Júnior, Sol Miranda, Robson Freire. Na sonoplastia ao vivo o magestral músico e ator
Fábio Soares, - onde os cânticos em yorubá e
o toque forte do atabaque desenham e dão mais expressividade a toda
cena. Atuações fortes, corpos que falam, vozes que revelam emoções,
coletividade à serviço de Dionísio e Salina. Vemos em cena a linguagem teatral
em potencialidade. Um teatro sonhado por Artaud, Grotowski e Brecht. Um teatro
onde o palco fala com toda a sua semiologia. Cada movimento, cada gesto, cada
fala ganha uma tensão poética. Cada ação é metricamente modelada. O figurino do
casal de diretores é desenhado com roupas de bastante brilho e cor.- bem ao
estilo dos clãs luxuosos de negros guerreiros, ricos e poderosos e com a benção
dos orixás. A luz de Renato Machado é precisa, básica e deixa visível as cores
presentes no palco e nas atuações sem maneirismos. Um trabalho excelente da Cia
Amok.
A peça, escrita pelo autor francês
Laurent Gaudé ,reconhecido por explorar em suas obras os limites morais do ser
humano, é um convite a reflexão sobre o ódio e o amor, a vingança e o perdão.
Além de tratar da submissão feminina e a luta pela emancipação da mulher numa
sociedade fechada pela tradição e pela lei de castas. O espectador acompanha no
círculo, nada roda, imers@ na celebração. Onde conflitos pessoais passam a ser
conflitos públicos. Onde o teatro volta a ser a ágora grega e deixa de ser
apenas extensão do quarto.
Por isso, precisamos mais de
espetáculos assim. É um grito, um desabafo de que o teatro é feito para
comunidade e pela comunidade. Que a história da Salina é também a história de
tantas mulheres escravizadas, violentadas que vemos nos jornais e de que é bom
termos atores negros em papéis complexos e não subjugados. Como dizia a música
"Branco se você soubesse o valor que o negro tem..."
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