terça-feira, 3 de maio de 2011

O lugar da Cultura no novo arranjo institucional das comunicações

O ministro Paulo Bernardo apresentou nesta quinta-feira (28/04) alguns indícios de como está sendo formulada a proposta de novo arranjo institucional para a comunicação à Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular.

A simples presença de Paulo Bernardo à frente do Ministério da Comunicação (MiniCom) é um poderoso indicativo do quão estratégica é essa questão para o governo da presidenta Dilma Rousseff, demonstrando sua importância para a consolidação do projeto político deste governo. No entanto, há um aspecto das declarações dadas pelo ministro que demandam mais esclarecimento.

Segundo matéria publicada no sítio www.cartamaior.com.br o projeto atualmente em gestação pela equipe do ministério mexerá num aspecto central daquele que foi herdado de Franklin Martins, criando uma única agência para regular conteúdo e meios de transmissão, que nasceria da reestruturação da ANATEL e mudaria de nome para Agência Nacional de Comunicações. Ainda segundo a reportagem publicada em 28 de abril o ministro teria declarado “Estamos com dificuldade para encontrar um modo de separar a regulação em duas agências. Mas a palavra final será da presidenta Dilma”.

Mesmo considerando as muitas dificuldades enfrentadas pelo ministro e a equipe do MiniCom, pois essa proposta mexe com um dos aspectos mais sensíveis da estrutura da nossa sociedade, há que se lembrar que hoje já existe um arranjo institucional estruturado no Brasil que, entre outros fatores, se caracteriza justamente por já ter duas agências atuando nesse setor que são a ANATEL e a ANCINE.

A ANATEL nasceu do processo de privatização da telefonia, e a ANCINE para suprir a lacuna de políticas públicas deixada pelo desmonte do governo Collor na Cultura. No entanto, o escopo de atuação de ambas foi se transformado em virtude dos avanços tecnológicos que estão produzindo, não apenas uma convergência de meios, mas algo que talvez acabe se configurando como uma nova e poderosa economia, reunindo setores da indústria cultural, internet, telecomunicações e da informação.

O fio ou a onda que permitia nos telefonarmos agora carrega imagens em movimento e nos permite assistir filmes, ouvir música, ler o jornal entre outras coisas, e a obra que antes se fazia para passar no cinema agora é produzida para passar no telefone. Isso implica em novas modalidades de parceria e coprodução, novas relações entre direitos de propriedade e de exploração comercial de conteúdos, novos modos de produção gerando novos modelos de negócio e exigindo novos arcabouços legais e regulatórios que lhes dêem sustentação. Essa mudança drástica da realidade obriga o Estado e seus mecanismos de gestão e controle a se adaptarem, e foi exatamente isso que aconteceu com ANCINE e ANATEL nos últimos anos.

É possível que esse amálgama que hoje se encontra em curso esteja dificultando perceber a fronteira entre as questões relacionadas à gestão de meios e plataformas e à gestão do conteúdo. No entanto, mais do que setores específicos da economia da comunicação, essas são dimensões ou atributos diferentes de um mesmo processo, pois além das questões relacionadas às operações comerciais e às questões de direito, a regulação sobre o conteúdo tem ainda uma dimensão especificamente cultural que a diferencia.

Não se trata aqui de advogar a necessidade de que se preservem duas agências reguladoras, e sim de observar duas questões importantes que não parecem estar interferindo suficientemente nesse debate.

A primeira é que já existem duas agências com um histórico consistente de atuação, mesmo que limitado e insuficiente, o que, ao menos em tese, torna mais fácil pensar em uma estrutura que, ao menos inicialmente, parta dessa dualidade e possa ir construindo os pontos de intersecção e de fusão sem gerar insegurança institucional. O acumulo gerado por cada agência na formulação de regramentos para um setor da economia que se sofistica com muita velocidade e alta complexidade não é algo de que possa prescindir.

A segunda questão é perceber que, embora dependentes uma da outra, a dimensão da produção, circulação e consumo do conteúdo nas redes digitais é muito diferente do gerenciamento dessas redes, e exigem capacidades, inteligências, experiências e legitimidade para mediação junto à sociedade muito distintas.

O preocupante nessa possibilidade de unificação das agências é que no futuro processo de regulação dessa nova economia não haja um olhar que perceba especificamente os riscos para a liberdade e a diversidade da produção simbólica, ameaçando um patrimônio que é intangível e de difícil percepção para o gestor que não lida diretamente com as questões afeitas ao fazer cultural.

O mundo assiste hoje uma série de fusões e aquisições de empresas de comunicação fundamentadas por um único objetivo: deter o direito de exploração do maior número possível de conteúdos e difundí-los em larga escala. A produção e difusão de conteúdo cultural em escala mundial exigem audiências padronizadas, o que só se consegue com o sacrifício da especificidade do gosto de grande parte de cada população local, o que, em longo prazo, significa o sacrifício dos laços de identidade e de pertencimento que unem essa população.
Não se trata mais de contrapor a hegemonia do cinema norte americano, mas sim de evitar que todos os espaços de circulação cultural estejam ocupados pelos conteúdos pertencentes a cinco ou seis mega empresas transnacionais de comunicação. Sem que haja um olhar para essa dimensão corre-se o risco de perdemos mais do que podemos nos dar ao luxo de perder.

O grande projeto de governo da presidenta Dilma é a erradicação da miséria no Brasil, e o conceito de miséria aqui não se restringe a carências de ordem material, mas também à superação da miséria cultural que nos relega a condição de meros consumidores de conhecimento. Um Brasil sem miséria é um Brasil que produz conhecimento, o que não ocorre se não se disponibiliza aos cidadãos e aos empreendimentos brasileiros os meios de entender e processar a realidade. Isso só se alcança com desenvolvimento cultural, envolvendo acesso à educação, ao patrimônio e à produção simbólica.

Confiamos na capacidade e inteligência, tanto da presidenta, quanto do ministro Paulo Bernardo para conduzir esse processo, mas talvez fosse o caso de envolver mais agentes culturais no processo de elaboração da proposta de revisão do marco regulatório das comunicações, evitando assim que esse importante avanço se dê de forma incompleta e gere lacunas de difícil superação.

*Roberto Gonçalves de Lima é dramaturgo e gestor cultural


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