quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cidades, ordem pública e livre acesso à cultura


Por Flavio Aniceto*

“Eu sou a rua e esta autoridade ninguém me negará”

Orestes Barbosa in: Samba

Em diversas cidades brasileiras temos visto ações de ordem pública, algumas espetaculosas, mas não efetivas. Em todo caso, são necessárias, e acreditamos que a população em princípio as enxerga positivamente: afinal quem não quer calçadas livres de vendedores ambulantes, estacionamentos irregulares, lojas e bares que estendem suas mercadorias e mesas até o meio-fio, sem falar nos problemas sociais ligados à população de rua?

Como o tema deste pequeno artigo não é a questão urbana no geral, mas o viés cultural, vamos ao fatos, dentro destas ações, assistimos um outro choque, este cultural: a repressão pura e simples ou as vezes velada aos artistas de rua. No Rio de Janeiro por exemplo, são muitos e diversos: desde os solitários (mímicos, cômicos, circenses, músicos solistas, etc.), até grupos que estética e politicamente escolhem a rua como palco (artistas cênicos, coletivos poéticos, a chamada “cultura de rua” em torno do hip-hop e muitos outros).

Na perspectiva de garantir a sobrevivência legal do trabalho destes, acreditamos que os mesmos deveriam agir em duas frentes: a busca da legitimidade – junto ao público, seja nas comunidades ou nos centros urbanos – o que é desafiador e complexo, dado que o público é irregular, passante, “infiel” – e a legalidade - amparando-se na legislação em vigor, mas também propondo alternativas e inserindo-se no processo de formulação de políticas públicas para a cultura.

A busca da legitimidade na ação nas ruas, espaços públicos, alternativos e comunidades

Grupos como o Projeto Boa Praça ( www.boapraca.art.br), para além da preocupação com o repertório, devem procurar ser também politicamente diferenciadores, fugindo de uma atuação nos moldes dos anos 60, a velha ideia de “levar cultura a...”. Ao contrário, como grupos contemporâneos e alternativos, devem se inserir no contexto atual de “fazer junto com”, incentivando a procura e construção da cidadania cultural.

A ação do Boa Praça, neste sentido é exemplar, uma vez que mesmo tendo a rua como palco, realiza uma ocupação cultural de um mesmo espaço ao longo do ano, fidelizando o público, mas também ativando culturalmente o mesmo. Na Tijuca a ação na praça vizinha ao Teatro Ziembinski teve importância cultural e também como provocador de serviços urbanos, melhorando a iluminação, a ambiência e a circulação no local e gerando um outro projeto com novos grupos, o Zimba na Praça. Na Quinta da Boa Vista, também foram estimuladas – após a passagem do projeto – a apresentação de outros artistas e grupos culturais.

É preciso inserir o público como agente cultural, não sendo só passivo e abrindo a possibilidade de que sendo também um criador, este defenda o processo legítimo da rua como palco e espaço cultural, diferenciando-se ainda de outras ações-alvo da ideia de limpeza urbana que está presente em diversas cidades - e reafirmamos acreditar - com apoio da população, até por serem justas em determinados casos/contextos.

O sujeito não pode ser um mero espectador, ao contrário a ação cultural em seu local – de moradia ou circulação, quando o palco são as praças e os logradouros nas periferias do centro da cidades, e nas áreas centrais dos distritos e bairros – objetiva dotar este morador/público/agente das mesmas experiências existentes nas áreas privilegiadas. Como fazer isto? As soluções podem ser apresentadas pelos próprios grupos, aqui apenas pontuamos algumas provocações.

Marta Porto, atual titula da Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, na mesma linha que apresentamos acima, afirma que existe uma distinção entre os movimentos culturais dos anos 60 – CPC da UNE, outros – e os dos anos 90 – periferias, grupos emergentes juvenis, etc., quanto ao protagonismo da população periférica ou não artista profissional – antes tida como mera receptora. Mas, chama a atenção que a absorção das práticas da periferia não pode correr o risco de promover novas desigualdades nos seios destas comunidades, se for se priorizar só os protagonistas destas ações, novos emergentes sociais e culturais e não toda a comunidade[1]. Este é um que fato observamos em diversos grupos culturais hegemônicos nas comunidades e bairros periféricos do Rio e Grande Rio.

A estratégia de legitimação é política, assim como a esfera legal, que apresentaremos em seguida. Mas antes fazemos um pequeno comentário sobre as políticas urbanas atuais, tomando como base Lilian Feller Vaz[2].

Vimos nos anos 80/90 a mercantilização e a espetacularização das cidades e das culturas (capitais européias da cultura, grandes festivais e exposições circulando nas cidades mundo afora, etc.). Neste “Planejamento culturalizado”, os projetos menos ambiciosos são descartados, ao passo que os mais espetaculares são priorizados (alguma semelhança com o que vimos no Rio de Janeiro?). Infelizmente é um modelo que atinge administradores de todas as posições políticas – mesmo as gestões progressistas e de esquerda encantam-se com esta lógica, de olho nos benefícios que podem ser gerados para os seus munícipes.

Neste contexto, aparecem ainda a “shoppinzação” e “disneyficação” (em alusão aos empreendimentos culturais do grupo Walt Disney) das cidades, além de uma estetização dos espaços públicos, e para isto, são necessárias as chamadas operações de “limpeza”. Conseqüentemente pode ocorrer uma expulsão – mesmo involuntária ou não formal - da população moradora devido a valorização destes espaços (seriam estes os casos da Lapa e “antigo” Rio Antigo?), pois os velhos moradores não conseguem se sustentar, sobreviver e consumir neste novo contexto. Para comprovar isto bastaríamos olhar os preços de alimentação e imóveis no Rio Antigo e entorno. Criam-se novos guetos e mais desigualdade.

Netas políticas as cidades são vendidas como imagem – produtos turísticos – esvaziando-se as culturas locais, privilegiando-se o “exterior”. Só parte da cidade vale, a lucrativa, o resto não. Podemos observar os mapas municipais como mapas da exclusão cultural sem susto. Mesmo sabendo que a cultura é produzida em toda a cidade, só uma perspectiva é considerada.

É a negação do acesso à cultura. Quanto maior for a espetacularização da cidade, menor é a participação da sociedade, população e culturas ditas populares. Na cidade-espetáculo o cidadão é um figurante. E é este quadro que acreditamos ser necessário mudar, as ações-guerrilheiras de grupos como o Boa Praça, Tá na Rua, Teatro do Oprimido – só para citar, são alternativas para uma outra culturalização das cidades, desta vez pelo viés democrático. A Participação da população – e colocamos estes artistas de rua neste rol - é um antídoto à sociedade do espetáculo na conhecida formulação de Guy Debord.

Finalmente chegamos a ideia da Legalidade, buscando formas de instrumentalizar os artistas para a sua lida diária, não ficando reféns dos administradores gerais ou locais, guarda- municipais, policiais, donos informais do pedaço como traficantes de drogas e milicianos, pastores evangélicos, etc.

No nível federal, merece destaque o PL 1096/2011 de autoria do Deputado Vicente Cândido PT/SP, em tramitação e que regulamenta as manifestações culturais de rua, ancorado-se na Constituição Federal, em seus artigos (liberdade de associação, expressão, artística, científica, comunicação, etc.), 215º (direitos culturais, acesso às fontes culturais, difusão e Plano Nacional de Cultura) e 216º (dos patrimônios culturais do Brasil).

E no Plano Nacional de Cultura, acreditamos que os grupos devem tentar incidir no momento que ora se inicia, a fase de definição das metas. Observamos que no Capítulo III que trata do Acesso à Cultura, anteriormente estava explícito no item 2.14 deste “Fomentar os circuitos artísticos e culturais de rua, com destaque para o teatro e a dança”, já no texto final, aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo então presidente Lula – salvo engano – não vimos esta citação. Não só por este fato os artistas e grupos de rua devem participar da elaboração dos planos setoriais de cultura, especialmente em Artes Cênicas: Teatro, Circo e Dança e Música.

Nos níveis estaduais e municipais, é necessário buscar legislações similares ao PL 1096/2011, no município do Rio tramita o PL 931/2011 (Vereador Reimont PT/RJ) que “Dispõe sobre a apresentação de artistas de rua nos logradouros públicos...” e retomamos a recomendação de participação nos Planos Municipais de Cultura. É preciso não restringir a participação ao nível das políticas culturais, ampliando o raio para os Planos Diretores Municipais, assim como estudar a necessidade de mudanças nos Códigos de Posturas Municipais e em outras legislações urbanísticas específicas e pertinentes, mas evidentemente não como ato isolado dos artistas e grupos culturais das ruas, mas em conjunto com outros segmentos culturais.

“Eu amo a rua. Este sentimento de natureza todo íntima não seria vos revelado por mim, se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é compartilhado por vós”

João do Rio in: “A alma encantadora das ruas”

*Flavio Aniceto é produtor cultural e cientista social

flavioaniceto@gmail.com

[1] PORTO, Marta: Brasil em tempos de cultura: cena política e visibilidade http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric08a08.htm acessado em 12/06/11

[2] VAZ, Lilian Fessler: Regeneração cultural em cidades do terceiro mundo. Mimeo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Menos um Soldado



Por Eduardo Lurnel

Publicado no blog www.asaideiraeaconta.blogspot.com

Ontem durante o almoço recebi a notícia do falecimento do Sr. Gustavo Dahl. Na hora uma sensação muito ruim. A morte sempre assusta, mas nesse caso, o sentimento foi um pouco diferente.

Tenho pouco vínculo afetivo, com o Gustavo. Minha relação com ele se resume a alguns encontros em eventos, festas, seminários, palestras e corredores. Cheguei à Ancine depois do término do seu mandato como Diretor Presidente da agência.

O sentido não de perda de um amigo, mas sim, da perda de um guerreiro. Um guerreiro que mesmo com algumas divergências, lutava do seu lado. Os objetivos, as batalhas, eram as mesmas.

Hoje, o exército que luta por um mercado audiovisual brasileiro forte, com uma maior circulação e veiculação das obras produzidas aqui, está mais frágil. A trincheira do cinema brasileiro perdeu um dos seus mais experientes e combativos soldados.

Adeus Gustavo Dahl.

Na perspectiva do Sistema Nacional de Cultura

por Suelyemma Franco

Cultura é sentido. É sentido da vida. È sentido da existência. E gera significado. Elucidando nosso papel na sociedade. A literatura de cordel é a fala do povo; é o povo que se comunica e que diz o que pensa. Quando se dança o jongo é a história que é lembrada, é a nossa ancestralidade recuperada. Tem alguém aqui que já entrou numa roda de jongo? Sugiro que entre e confirme que a roda dá segurança, dá força, religa, empondera. O circo é o exercício do desafio, do equilíbrio na adversidade. Essas ações fortalecem o sentido da cidadania e o seu exercício.

Entender-se cidadão, detentor de direitos e deveres alavanca o papel do indivíduo na construção do desenvolvimento do país – isso é educação e é cultura. A mobilização pela cultura continua e não para mais.

O marco regulatório da cultura “pede passagem”: Ainda está em tramitação a PEC 416/2005, que institui o Sistema Nacional de Cultura, a PEC 150/2003, que vincula à cultura, recursos orçamentários da União, estados e municípios, o PL n. 6.722/2010, que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – PROCULTURA substituindo a atual lei de incentivo (Lei Rouanet). A lei do PROCULTURA estabelece que a União destinará, no mínimo 30% (trinta por cento) dos recursos do Fundo Nacional de Cultura aos estados, municípios e ao Distrito Federal, por intermédios do repasse Fundo a Fundo.Para tanto, é condição indispensável à existência nos municípios, do Conselho Municipal de Cultura, do Plano Municipal de Cultura e do Fundo Municipal de Cultura. Em 02 de dezembro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 12.343, que institui o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras providências.

Para ler o artigo completo clique aqui.

Visite o blog do vereador Reimont: http://www.reimont.com.br/blog/


terça-feira, 7 de junho de 2011

*Da festa da colheita aos mijões no Bola Preta, algumas impressões sobre o carnaval e a cidade.*

Por Ricardo de Moraes

Ao começar estes escritos é necessário observar que faremos apenas um
despretencioso passeio pela história, objetivando organizar e dividir
informações e impressões, com os amigos do blog e, rapidamente, abrir um
discussão fazendo algumas reflexões sobre o carnaval.
Primeiramente é necessário entender, ainda que sem uma análise profunda,
através da história chegaremos ao Bola Preta.

1) Das festas da antiguidade ao Carnaval – um pouco de história pra nos
ajudar.
Quando o homem sai das cavernas, após a era glacial, descobre os campos e
com eles a agricultura e sua relação com os astros (ARAÚJO – 2000).
A partir daí o homem passa a festejar o plantio e a colheita.
Surgem os cultos agrários.

No Egito – festeja-se o terreno fértil para o plantio com o fim das cheias
nas margens do Nilo. A valorização das coisas boas dá origem ao culto a
divindades como *Ísis* – a mãe – com cultos secretos para iniciados e ao *Boi
Ápis* – enterrados mumificados.
A junção do culto a esses dois deuses transformou-se na mais grandiosa festa
da antiguidade.

Cantos e danças em torno de fogueiras. Máscaras e adereços, já eram
características que marcavam as diferenças sociais. O culto a liberdade e a
beleza do corpo imediatamente levam a orgias e libertinagens.
Terra, fertilidade, fecundidade inspiram comemorações na Pérsia com a deusa
Naita, da fecundidade e Mitra, a deusa dos pastores. Já na Fenícia a
fecundidade é comemorada sob a inspiração da deusa Astartéia. A pomba
representa a Grande Mãe protetora da fertilidade em Creta.
Na Babilônia as comemorações ganham o contorno das inversões (DaMATTA- 1997)
marcadas pela troca de papéis entre senhores e servos, além da licença
sexual e com o sacrifício de um escravo para o rei no quinto dia das festas.
Eram as Sáceas.

Na Grécia as classes sociais são bem mais definidas nos festejos da
fertilidade, que se tornam uma válvula de escape para as tensões sociais. O
sexo as bebidas e as orgias são incorporadas às comemorações, além de
elementos procissionais. O culto ao deus do vinho, Dionízio oficializado por
Pístrato (605 a 527 a.C.) tem como característica a imagem do deus num
carro/barco sobre rodas. O carro naval (seria daí a origem da palavra
carnaval?).

Em Roma Baco – o mesmo deus do vinho, Dionísio da Grécia - é fetejado com os
mesmos elementos: música, dança, algazarra, vinho, sexo e a violência como
consequência, são as bacanais.

As Bacantes, sacerdotizas de Baco, todos os anos invadem as ruas de Roma,
aos gritos, acompanhadas de suas ninfas e provocando escândalos, até a
proibição das bacanais pelo senado em 186 a.C.

O culto pagão só termina quando, em 590 d.C., o Papa Gregório I oficializa
os festejos através do novo calendário eclesiástico que estipula a quaresma
e a terça feira, quarenta dias antes da Semana Santa como o dia do Carnaval.
Com isso o Carnaval se expande para outras cidades como Paris, Veneza, Nice,
Nuremberg e Colônia.

2) Da Europa ao Brasil – a chegada do carnaval
Resultado das bacanais de outras épocas, o entrudo dá início à quaresma na
Europa. Suas batalhas de gesso e esguichos d’água compõem as comemorações
trazidas pelos portugueses a um Brasil ainda colonial (MORAES – 1987).
O ano de 1641, com coroação de D. João IV em Portugal, comemoradas no Rio
de Janeiro, é considerado o início do Carnaval no Brasil, já o entrudo chega
em 1723.(ARAÚJO – 2000).

A partir daí muitos fatos são de domínio daqueles que, por algum motivo, têm
interesse no Carnaval e sua história no Brasil e no Rio de Janeiro. Contudo,
destacamos alguns acontecimentos como as desencontradas informações para o
surgimento dos “Zé Pereiras” e do “Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga –
primeira música composta para o cordão Rosa de Ouro, especialmente para o
carnaval.

Queremos também dar destaque aos corsos com seus inúmeros carros na Avenida
Central (atual Rio Branco), os grandes bailes e as Grandes Sociedades.
Cabe aqui lembrar que o samba rapidamente caiu no gosto popular e até hoje
embala as comemorações do carnaval. Também lembramos “Pelo telefone” de
Donga e Mário de Almeida – o primeiro samba a ser gravado, o surgimento dos
blocos de sujo e das Escolas de Samba.

3) Carnaval e a cidade - Reflexões a partir do Bola Preta
Fundado como uma das Grandes Sociedades o Bola Preta (1918) - época em que
ainda existiam banheiros públicos pelas ruas do Centro do Rio, escarradeiras
havia até mesmo nos açougues - hoje é uma referencia para foliões de todos
os cantos e, por consequência, dos mijões porque os banheiros públicos na
cidade sumiram.

Na Praça Tiradentes, na parte voltada para as ruas da Carioca e Sete de
Setembro, um banheiro público com azulejos portugueses foi soterrado por
sucessivas e infelizes reformas do outrora, Largo do Rócio.

Aqui a imprensa e o poder público por décadas investiram num carnaval
dirigido, represado nos bailes e nos desfiles das Escolas de Samba. Talvez
pela ausência do estado de direito num país sufocado por duas ditaduras, no
mesmo século e do advento do carnaval como negócio.
Nesse contexto após o fatídico Golpe Militar de 1964, a permanência de um
discurso oficial nos *mídia* fez com que o carnaval carioca, em particular,
ficasse reduzido a uma clausura tal, que alavancou o crescimento do carnaval
em outros estados do país.

O esfacelamento da Ditadura Militar e o reestabelecimento do estado de
direito na década de oitenta do século passado, favoreceu outra forma de
organização dos foliões. Essa nova organização também é consequência de um
discurso politizado e, ao mesmo tempo, irreverente dos blocos da zona sul do
Rio de Janeiro.

A desatenção com o retorno de um carnaval com esses componentes implicou no
que hoje se substancia com a crítica aos mijões, e é exatamente daí que vem
nossa maior crítica aos *mídia*, ao poder público e aos desavisados.
Vamos então rebobinar um pouco a linha do tempo, pois a partir dessas
observações chegaremos ao Bola Preta que consideramos um universo muito
fértil para nossas reflexões.

Primeiro o poder público enterra hábitos, depois os *mídia* reclamam, a
sociedade faz côro e alguém ganha muito com isso tudo. Uma fórmula já
consagrada por aqui.

Enquanto isso a desorganização ganha promoção.
O exemplo é a privatização do espaço público quando, indivíduos se apropriam
de bueiros e ralos, os cercam e cobram R$ 1,00 (um real) para foliões, mais
apertados, se aliviarem.

Mais uma vez os *mídia* se arvoram, sabe-se lá porque(?), em fazer uma
campanha contra mijões, numa cidade onde o uso de banheiros públicos foi
enterrado.

Seria como se a população inteira acordasse nos dias dos blocos e
concluísse: “*Nos que não temos a cultura de banheiros públicos durante
anos, nesses dias de folia, seremos educados e limpinhos*”.
*Ridículo!*
*
*

Assimvemos hoje a população e o governo num certo descompasso com a realidade,
mesmo quando há consenso sobre a necessidade de avanços na estruturação e
ordenamento da cidade, do carnaval e de sua economia.

São motivos pelos quais passamos a fazer algumas perguntas:

- Por que se enfatiza tanto o uso de banheiros químicos, por exemplo?
- Por que não aproveitar a oportunidade do carnaval e observar como podemos
organizar melhor a cidade?
- O carnaval não pode ser um grande ensaio para Copa do Mundo e para as
Olimpíadas?

4) Pra quem quiser mais informações, recomendamos como leitura as obras
que nos servem de referências:

ARAÚJO, Hiram. *Carnaval, *seis mil anos de história. Graphus. 1ª. Ed. Rio
de Janeiro. 2000.
DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do
dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

MORAES, Eneida. História do Carnaval Carioca; revista e atualizada por
Haroldo Costa. Record, Rio de Janeiro, 1987.

Na foto Andre Diniz, Ricardo de Moraes e Getulio MacCord, no lancamento do
livro Tropicalia - um caldeirao cultural.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Adeus guerreiro, Abdias.

Por Roberta Martins

Abdias do Nascimento esteve por aqui desde o distante 1914 até agorinha em 2011, viveu muito... e em seus bem vividos 97 anos, foi um exemplo de firmeza e coerência e no mais perfeito sentido, um grande Mestre. Sempre um protagonista em suas múltiplas atividades, seja como dramaturgo, ator, acadêmico, político, artista plástico, poeta... E mais, como poucos no Brasil, Abdias do Nascimento associou de maneira indivisível o fazer artístico a uma proposta política, sempre se colocando como um combatente na luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra.

Como disse Nei Lopes: "Abdias é o elo maior do nosso movimento negro, levando em conta que ele é do início do século passado, quando a discriminação era ainda mais clara. Mesmo hoje, um pouco debilitado [pelas condições de saúde], quando ele abre a boca, sabemos que é o nosso baobá [árvore sagrada no candomblé], guarda toda a vida e história de nossa africanidade".

A militância política de Abdias vem da juventude na década de 1930, desde aquela época refletindo os desafios da vida em um Brasil racista. Integrou a Frente Negra Brasileira, a mais importante entidade negra na primeira metade do século XX no campo sócio-político. Participou dos primeiros congressos de negros no país em que tinham como objetivo discutir formas de resistência à discriminação racial e da fundação do jornal Quilombo e do Museu de Arte Negra.

As origens da participação política de Abdias se encontram no racismo brasileiro e sua combatividade, sem dúvida, reflete a sociedade dos anos 30, mas é viajando pela América Latina, no início da década de 1940, que o Mestre associa de maneira determinante cultura, política e a questão negra. Em especial em sua passagem pelo Peru, quando assiste ao espetáculo O Imperador Jones, de Eugene O'Neill, e vê o personagem central ser interpretado por um ator branco tingido de negro, o que também acontecia no Brasil, fortalecendo a determinação de criar um teatro que valorizasse os artistas negros. Após ter estudado no Teatro Del Pueblo de Buenos Aires, ao retornar ao Brasil em 1941, Abdias é preso por crime de resistência. Ao cumprir pena na penitenciária do Carandiru, organiza um grupo de presos que escrevem e encenam os próprios textos e funda o ‘Teatro do Sentenciado’.

Anos depois em 1944, com o objetivo de valorizar o negro no teatro e a criação de uma nova dramaturgia, inicia o Teatro Experimental do Negro – TEN, que fez mais do que levar negros aos palcos, significou uma iniciativa pioneira, que mobilizou a produção de novos textos e propiciou o surgimento de novos atores e grupos. Além disso, disseminou uma discussão que permaneceria em aberto: a ausência do negro como atores e nas histórias contadas pela dramaturgia em um país de forte traço cultural negro.

O Teatro Experimental do Negro não se limitava ao campo artístico, suas ações incluíam ações de conscientização e também de alfabetização do elenco recrutado, entre os quais: operários, empregadas domésticas, favelados sem profissão definida, estivadores e trabalhadores pobres. Experiências político-culturais que integravam arte, cultura e promoção cidadã, que representou uma forma revolucionária de denunciar o racismo no país.

Há ainda muito que falar do Grande Mestre e mais uma vez intimamente relacionado à política, pelo exílio imposto pela ditadura militar instaurada em 1964, que o faz permanecer treze anos fora do Brasil. Intensificou a produção como artista plástico, em que se dedicou à pintura relacionada à cultura religiosa afro-brasileira e a atuação como conferencista e professor universitário, voz potente na denúncia contra a discriminação racial, nos anos 1970. Período em que foi professor na Universidade do Estado de Nova Iorque, onde fundou a cadeira de Cultura Africana no Novo Mundo, e como professor visitante nas Universidades de Yale e no departamento de línguas e literaturas da Universidade de Ifé, na Nigéria. Tornou-se, a partir daquele momento, presença constante em congressos e fóruns de debates anti-racistas nos Estados Unidos, na África e no Caribe, como o primeiro pan-africanista brasileiro.

No retorno ao Brasil, optou pela carreira política partidária, exercendo mandatos de deputado federal e senador da república pelo PDT, e os cargos de secretário de Estado de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras e de Cidadania e Direitos Humanos, ambos no governo do Estado do Rio e Janeiro. Sempre afirmando a importância da cultura negra na sociedade.

A longa e intensa vida do Mestre Abdias do Nascimento foi sem duvida a trajetória de um grande homem da cultura, um líder guerreiro da luta pela afirmação dos direitos dos descendentes de africanos no Brasil e em todo o mundo. Mais uma vez, me utilizo das palavras de Nei Lopes:

Quando um guerreiro parte (Abdias Nascimento)
Quando parte um guerreiro
O que se há de fazer senão cantar-lhe
Os cânticos de guerra que entoava?

O que se há de fazer
Senão soar os tambores que soava
Chacoalhando-lhes as soalhas
Aos ouvidos moucos da pequenez
E da indiferença
Para que todos saibam
Que um Herói ali vai ?!

O que se há de fazer
Senão imaginá-lo
Transpondo
Os limites da existência palpável
Para, novinho em folha,
Começar tudo de novo
Do outro lado do Tempo?
ADEUS, QUERIDO MESTRE!!!


Fontes:
- www.abdias.com.br, acesso em 26/05/2011
- http://www.neilopes.blogger.com.br/, acesso em 30/05/2011
- SEMOG, Ele. Abdias Nascimento - O Griot e as Muralhas. Editora Pallas, 2006.
- ALMADA, Sandra de Souza. Abdias Nascimento. Coleção: Retratos do Brasil Negro. Selo Negro. Editora: Summus. 2009.

Roberta Martins é produtora cultural