terça-feira, 7 de junho de 2011

*Da festa da colheita aos mijões no Bola Preta, algumas impressões sobre o carnaval e a cidade.*

Por Ricardo de Moraes

Ao começar estes escritos é necessário observar que faremos apenas um
despretencioso passeio pela história, objetivando organizar e dividir
informações e impressões, com os amigos do blog e, rapidamente, abrir um
discussão fazendo algumas reflexões sobre o carnaval.
Primeiramente é necessário entender, ainda que sem uma análise profunda,
através da história chegaremos ao Bola Preta.

1) Das festas da antiguidade ao Carnaval – um pouco de história pra nos
ajudar.
Quando o homem sai das cavernas, após a era glacial, descobre os campos e
com eles a agricultura e sua relação com os astros (ARAÚJO – 2000).
A partir daí o homem passa a festejar o plantio e a colheita.
Surgem os cultos agrários.

No Egito – festeja-se o terreno fértil para o plantio com o fim das cheias
nas margens do Nilo. A valorização das coisas boas dá origem ao culto a
divindades como *Ísis* – a mãe – com cultos secretos para iniciados e ao *Boi
Ápis* – enterrados mumificados.
A junção do culto a esses dois deuses transformou-se na mais grandiosa festa
da antiguidade.

Cantos e danças em torno de fogueiras. Máscaras e adereços, já eram
características que marcavam as diferenças sociais. O culto a liberdade e a
beleza do corpo imediatamente levam a orgias e libertinagens.
Terra, fertilidade, fecundidade inspiram comemorações na Pérsia com a deusa
Naita, da fecundidade e Mitra, a deusa dos pastores. Já na Fenícia a
fecundidade é comemorada sob a inspiração da deusa Astartéia. A pomba
representa a Grande Mãe protetora da fertilidade em Creta.
Na Babilônia as comemorações ganham o contorno das inversões (DaMATTA- 1997)
marcadas pela troca de papéis entre senhores e servos, além da licença
sexual e com o sacrifício de um escravo para o rei no quinto dia das festas.
Eram as Sáceas.

Na Grécia as classes sociais são bem mais definidas nos festejos da
fertilidade, que se tornam uma válvula de escape para as tensões sociais. O
sexo as bebidas e as orgias são incorporadas às comemorações, além de
elementos procissionais. O culto ao deus do vinho, Dionízio oficializado por
Pístrato (605 a 527 a.C.) tem como característica a imagem do deus num
carro/barco sobre rodas. O carro naval (seria daí a origem da palavra
carnaval?).

Em Roma Baco – o mesmo deus do vinho, Dionísio da Grécia - é fetejado com os
mesmos elementos: música, dança, algazarra, vinho, sexo e a violência como
consequência, são as bacanais.

As Bacantes, sacerdotizas de Baco, todos os anos invadem as ruas de Roma,
aos gritos, acompanhadas de suas ninfas e provocando escândalos, até a
proibição das bacanais pelo senado em 186 a.C.

O culto pagão só termina quando, em 590 d.C., o Papa Gregório I oficializa
os festejos através do novo calendário eclesiástico que estipula a quaresma
e a terça feira, quarenta dias antes da Semana Santa como o dia do Carnaval.
Com isso o Carnaval se expande para outras cidades como Paris, Veneza, Nice,
Nuremberg e Colônia.

2) Da Europa ao Brasil – a chegada do carnaval
Resultado das bacanais de outras épocas, o entrudo dá início à quaresma na
Europa. Suas batalhas de gesso e esguichos d’água compõem as comemorações
trazidas pelos portugueses a um Brasil ainda colonial (MORAES – 1987).
O ano de 1641, com coroação de D. João IV em Portugal, comemoradas no Rio
de Janeiro, é considerado o início do Carnaval no Brasil, já o entrudo chega
em 1723.(ARAÚJO – 2000).

A partir daí muitos fatos são de domínio daqueles que, por algum motivo, têm
interesse no Carnaval e sua história no Brasil e no Rio de Janeiro. Contudo,
destacamos alguns acontecimentos como as desencontradas informações para o
surgimento dos “Zé Pereiras” e do “Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga –
primeira música composta para o cordão Rosa de Ouro, especialmente para o
carnaval.

Queremos também dar destaque aos corsos com seus inúmeros carros na Avenida
Central (atual Rio Branco), os grandes bailes e as Grandes Sociedades.
Cabe aqui lembrar que o samba rapidamente caiu no gosto popular e até hoje
embala as comemorações do carnaval. Também lembramos “Pelo telefone” de
Donga e Mário de Almeida – o primeiro samba a ser gravado, o surgimento dos
blocos de sujo e das Escolas de Samba.

3) Carnaval e a cidade - Reflexões a partir do Bola Preta
Fundado como uma das Grandes Sociedades o Bola Preta (1918) - época em que
ainda existiam banheiros públicos pelas ruas do Centro do Rio, escarradeiras
havia até mesmo nos açougues - hoje é uma referencia para foliões de todos
os cantos e, por consequência, dos mijões porque os banheiros públicos na
cidade sumiram.

Na Praça Tiradentes, na parte voltada para as ruas da Carioca e Sete de
Setembro, um banheiro público com azulejos portugueses foi soterrado por
sucessivas e infelizes reformas do outrora, Largo do Rócio.

Aqui a imprensa e o poder público por décadas investiram num carnaval
dirigido, represado nos bailes e nos desfiles das Escolas de Samba. Talvez
pela ausência do estado de direito num país sufocado por duas ditaduras, no
mesmo século e do advento do carnaval como negócio.
Nesse contexto após o fatídico Golpe Militar de 1964, a permanência de um
discurso oficial nos *mídia* fez com que o carnaval carioca, em particular,
ficasse reduzido a uma clausura tal, que alavancou o crescimento do carnaval
em outros estados do país.

O esfacelamento da Ditadura Militar e o reestabelecimento do estado de
direito na década de oitenta do século passado, favoreceu outra forma de
organização dos foliões. Essa nova organização também é consequência de um
discurso politizado e, ao mesmo tempo, irreverente dos blocos da zona sul do
Rio de Janeiro.

A desatenção com o retorno de um carnaval com esses componentes implicou no
que hoje se substancia com a crítica aos mijões, e é exatamente daí que vem
nossa maior crítica aos *mídia*, ao poder público e aos desavisados.
Vamos então rebobinar um pouco a linha do tempo, pois a partir dessas
observações chegaremos ao Bola Preta que consideramos um universo muito
fértil para nossas reflexões.

Primeiro o poder público enterra hábitos, depois os *mídia* reclamam, a
sociedade faz côro e alguém ganha muito com isso tudo. Uma fórmula já
consagrada por aqui.

Enquanto isso a desorganização ganha promoção.
O exemplo é a privatização do espaço público quando, indivíduos se apropriam
de bueiros e ralos, os cercam e cobram R$ 1,00 (um real) para foliões, mais
apertados, se aliviarem.

Mais uma vez os *mídia* se arvoram, sabe-se lá porque(?), em fazer uma
campanha contra mijões, numa cidade onde o uso de banheiros públicos foi
enterrado.

Seria como se a população inteira acordasse nos dias dos blocos e
concluísse: “*Nos que não temos a cultura de banheiros públicos durante
anos, nesses dias de folia, seremos educados e limpinhos*”.
*Ridículo!*
*
*

Assimvemos hoje a população e o governo num certo descompasso com a realidade,
mesmo quando há consenso sobre a necessidade de avanços na estruturação e
ordenamento da cidade, do carnaval e de sua economia.

São motivos pelos quais passamos a fazer algumas perguntas:

- Por que se enfatiza tanto o uso de banheiros químicos, por exemplo?
- Por que não aproveitar a oportunidade do carnaval e observar como podemos
organizar melhor a cidade?
- O carnaval não pode ser um grande ensaio para Copa do Mundo e para as
Olimpíadas?

4) Pra quem quiser mais informações, recomendamos como leitura as obras
que nos servem de referências:

ARAÚJO, Hiram. *Carnaval, *seis mil anos de história. Graphus. 1ª. Ed. Rio
de Janeiro. 2000.
DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do
dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

MORAES, Eneida. História do Carnaval Carioca; revista e atualizada por
Haroldo Costa. Record, Rio de Janeiro, 1987.

Na foto Andre Diniz, Ricardo de Moraes e Getulio MacCord, no lancamento do
livro Tropicalia - um caldeirao cultural.

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