quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Hoje tem Tiririca? Tem sim, Senhor! Eleições legislativas e política cultural

Flavio Aniceto

Causou furor a eleição do ator Francisco Everardo para a Câmara dos Deputados pelo desenvolvido, industrializado e cosmopolita Estado de São Paulo. Sim, Francisco é um ator, cujo personagem de mais sucesso e visibilidade é o palhaço Tiririca. Com este personagem, lançou-se à vaga, ganhou tempo de TV, apoio do partido e 1.300.000 votos. Vergonha, achincalhe, etc. e tal, foi o mínimo que se ouviu e leu. A nova é que Francisco “Tiririca” seria analfabeto e portanto inelegível. Tapetão? Ocorre que historicamente, com exceções claras e honrosas, foram os letrados, bem-nascidos e outros que provocaram vergonha na sociedade. Não falo como moralista, nada disso, mas os advogados, juízes, professores, médicos e até sindicalistas, chegando ao parlamento ocuparam-se de interesses de corporações poderosas em detrimento da maioria da sociedade.

Francisco à paisana ou como clown terá algum destaque em Brasília? Provavelmente não. Mas vamos aproveitar o fato para pensar em outros artistas e pessoas da área cultural e a relação destes com as questões de políticas culturais nos parlamentos que os abrigaram. Tiririca, pode ser semi-analfabeto, possivelmente o é, mas quantos intelectuais e artistas, nas câmaras e assembléias Brasil adentro não se mostraram analfabetos funcionais em relação à política cultural ? Prevaleceu, em seus mandatos, o atendimento de balcão, o usar o legislativo para pressionar – no melhor sentido – governos e empresários em apoio para projetos artísticos individuais ou semi-coletivos.

Devem existir exceções, mas a maior parte dos casos conhecidos, ao menos, tendo o Rio “Capital Cultural” como área de observação, foi de inanição e imobilismo dos parlamentares “da cultura” em relação a uma visão estratégica para o setor. Eventualmente defenderam causas legais e cidadãs? Não tenho a menor dúvida. Mas qual a contribuição para uma política permanente para a cultura? Tiriricas...

Aqui na Câmara do Rio, tivemos, citando só nomes recentes (anos 1990): Ruça, produtora cultural e ex-presidente da Escola de Samba Vila Isabel e Francisco Milani, ator, ambos eleitos em 1988, pelo outrora poderoso e cult PCB, e posteriormente o mestre Augusto Boal, teatrólogo e Antonio Pitanga, ator, eleitos em 1992, pelo – na época queridinho das “estrelas” - PT. Algumas legislaturas depois, 2002, acho, elegeu-se para a vereança carioca Stepan Nercessian, então presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos/RJ. Este último agora eleito deputado federal, pelo PPS.

No período Ruça/Milani vivíamos os complicados anos Sarney, Collor e Itamar, o primeiro, pioneiro nas leis de incentivo (cancros que dominam a área cultural até hoje), o segundo conhecido por extinguir as principais instituições de formulação cultural e o terceiro herdeiro em duplo sentido das duas formas. Itamar retomou em seu mandato-tampão as instituições, mas manteve a lógica das leis. E Boal/Pitanga, já eleitos nos anos Itamar e fechando os mandatos no período FHC, com o ministro da Cultura Weffort, radical em concentrar a política cultural nas leis de incentivo.
Evidente que estamos falando de vereadores do Rio e localizando o período na área federal de cultura. Parece uma contradição. Mas partimos do princípio de que as políticas de nível nacional, em quase todas as áreas – na cultura também – inspiram o nível municipal e estadual.

Ruça, Milani, Boal e Pitanga, nos enchem de orgulho, com suas trajetórias profissionais e os mandatos de vereador voltados para a cidadania e justiça social. Infelizmente Milani e Boal já não estão mais entre nós. Mas provavelmente, aos que se interessarem por uma pesquisa da ação legislativa não verão proposições mais gerais sobre cultura e política cultural. Boal adaptou a sua vitoriosa experiência estética e política com o Teatro do Oprimido, para o Teatro Legislativo... Pitanga fez o “Barracão Cultural”. Mas foi pouco e como já dissemos, o período político nacional não apontava para uma visão estratégica, e neste sentido, a produção legislativa também não.

Stepan, já no profícuo período Lula/Gil/Juca Ferreira, nem foi proponente de questões novas – ao menos que tenhamos conhecimento - , assim como não se movimentou em direção a discussão farta e presente no período sobre políticas culturais.

O único projeto estruturante para a cultura, veio do engenheiro Eliomar Coelho, eleito nos anos 1990 pelo PT e atualmente no PSOL, de criação do Conselho Municipal de Cultura. Apresentado em 1991, aprovado quase 20 anos depois, vetado pelo ex-prefeito Cesar Maia e parcialmente aproveitado pelo atual prefeito Eduardo Paes na gestão da ex-secretária de Cultura e deputada eleita, Jandira Feghali, do PC do B.

Ruça, Milani e Eliomar (em sua primeira fase) foram companheiros de Sergio Cabral, jornalista, pesquisador de MPB e produtor cultural, Edson Santos, militante de movimentos sociais e do movimento negro (anos mais tarde, deputado e Ministro da Igualdade Racial), Chico Alencar, professor e atuante também na área cultural (hoje também deputado federal pelo PSOL). Neste mesmo período, a atriz Neuza Amaral foi vereadora e outra veterana atriz, Dayse Lúcide, atualmente fazendo muito sucesso na TV Globo foi deputada estadual por alguns mandatos pelo RJ. Então vejamos que com todos estes quadros político-culturais, não existia na época uma concepção clara de política estruturante para a cultura. Não estavam nas pautas municipais, estaduais e federais.

O ator Stepan Nercessian, deputado pelo PPS/RJ, estará em Brasília a partir de 2011. Provavelmente outros nomes da cultura, das artes e da sociedade estarão eleitos, mas não serão cobrados como o ator Francisco Tiririca. O Plano Nacional de Cultura, o Sistema Nacional de Cultura, a PEC da vinculação orçamentária (2% do orçamento federal para o setor), a nova lei de incentivo PROCULTURA e outros temas estarão tramitando ainda em 2011, pois a morosidade legislativa e o desinteresse político perduram. Muitos deputados que não são especialmente da área cultural contribuíram e contribuirão para o andamento destes projetos.

Agora comprovado que é alfabetizado, sendo diplomado e empossado Tiririca terá que aprender que em Brasília se votam projetos para toda a sociedade, inclusive para os atores, os palhaços, os cantores, os bailarinos, os animadores culturais, os produtores culturais e muitos outros. Mas não só Tiririca tem muito que aprender...


Flavio Aniceto é Produtor Cultural

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