Stedile explica os motivos pelos quais a população deve
resistir às mudanças na aposentadoria
Alterar a idade mínima e o tempo
de contribuição para a aposentadoria. Esses são alguns dos pontos da reforma da
previdência promovida pelo governo de Michel Temer. A medida é polêmica pois
mexe com a vida de trabalhadores da cidade e também com a dos trabalhadores
rurais, principalmente das trabalhadoras rurais. Dessa forma ela vem sendo
muito criticada por movimentos populares e por centrais sindicais.
Para debater e entender melhor
esse tema e outros da política nacional, Vívian Fernandes entrevistou João
Pedro Stedile, que faz parte da direção nacional do MST, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O
senhor poderia comentar a mudança da idade mínima para a aposentadoria,
prevista nessa reforma da previdência? Se hoje existem diferenças na idade
entre homens e mulheres e entre trabalhadores rurais e urbanos, com a reforma
de Temer, todos teriam idade mínima de 65 anos para se aposentar. Então como
essa mudança iria impactar a vida dos trabalhadores do campo?
Essa reforma do governo Temer é
ilegítima. Esse governo não tem moral nenhuma para propor nenhuma reforma da
Previdência, que é uma conquista dos trabalhadores brasileiros através da
Constituinte de 1988 e espero que essas mudanças não tenham apoio, nem sequer
dos deputados e partidos conservadores que apoiaram o golpe, tal a infâmia da
sua natureza. Na verdade, ela representa uma crueldade contra todos os
trabalhadores, porque tira o direito do sujeito se aposentar.
A lei atual foi uma conquista de
muitos anos de luta e garante a aposentadoria para as mulheres aos 55 anos no
campo pois tanto anto as mulheres como os homens na roça começam a trabalhar
com oito ou dez anos, mas mesmo se começassem aos 14 anos. Aos 55 anos, a
pessoa já trabalhou 40 anos.
Em segundo lugar, o trabalho na
agricultura é o segundo trabalho da história da humanidade que exige mais
exercício, mais sacrifício humano. Só perde para a mineração, que a pessoa
trabalha embaixo dos túneis e pega sol, chuva, está à mercê de todas as
temperaturas. Isso desgasta muito a vida das pessoas e por isso que nós vamos
continuar lutando para que todos se aposentem, as mulheres com 55 e os homens
com 60.
É uma besteira comparar todo
mundo daqui pra frente, para se aposentar com 65 anos, tanto na cidade como no
campo, o que exigiria as pessoas trabalharem 50 anos na agricultura, o que é
uma vergonha. O que é mais ridículo, é que a maioria desses ministros e
senadores do governo já se aposentaram com 48, 53 anos, e com aposentadorias
acima de 10 mil reais. Se essa proposta de reforma da Previdência fosse justa,
o primeiro artigo deveria ser assim: "Todos os políticos, daqui por
diante, seguirão essas mesmas regras".
Quais
outras mudanças que essa reforma da previdência traria e que afetariam a vida
de todos os trabalhadores, ou seja, porque que as pessoas deveriam ser contra a
reforma da Previdência?
O segundo motivo grave é porque a
reforma desvincula os benefícios da previdência do salário mínimo. Nos governos
Lula e Dilma, o salário mínimo praticamente triplicou. Então, hoje, uma pessoa
que está aposentada, ou que recebe auxílio-maternidade, recebe 990 reais. Com a
reforma da Previdência, eles estão dizendo: o salário mínimo não é mais
referência pros benefícios, tipo auxílio maternidade, auxílio doença e nem para
a aposentadoria.
E quem vai fixar esses benefícios
vai ser o ministro da Fazenda, um burocrata que ninguém elegeu, e que, sentado
em sua cadeira, faz as contas e diz: "Este ano o auxílio da Previdência
vai ser R$ 500". Então, nós não podemos aceitar a desvinculação do salário
mínimo porque, de fato, o salário mínimo, como está na lei desde o tempo de
Getúlio Vargas e como está no seu conceito, é aquele mínimo que uma pessoa
deveria receber para ter as mínimas condições de sobrevivência na nossa
sociedade.
E é por isso que nós dizemos que
essa reforma da Previdência vai atingir justamente os mais pobres, aquele
desvalido, que recebe por idade depois dos 70 anos, a mãe lá da roça que ganhou
nenê e não pode mais ir pra roça, o cadeirante, que recebia uma ajuda e agora
eles vão cortar tudo isso.
Mas esse dinheiro é do povo
brasileiro. E nós, que de comum acordo lá na Constituinte dissemos: em primeiro
lugar nós temos que preservar para que os idosos, os cadeirantes, as pessoas
que têm alguma deficiência, as mães tenham uma garantia de um benefício para
garantir uma vida honesta, que dê pelo menos o mínimo de segurança que essas
pessoas possam ficar tranquilas, para que não passem fome. Então é por isso que
somos contra. Nós vamos nos mexer para derrubar a reforma da Previdência e se
der, derrubar esse governo junto.
Outro
tema da política nacional é Reforma Agrária, que é a principal bandeira do MST.
Você poderia explicar a situação da Reforma Agrária no atual governo e o que o
MST propõe como Reforma Agrária?
Desde que os golpistas chegaram
ao governo eles simplesmente acabaram com o Ministério da Reforma Agrária.
Segundo não houve nenhuma desapropriação de terra conforme manda a lei, que no
Brasil diz o seguinte: "Devem ser desapropriadas todas as grandes
propriedades improdutivas"; portanto, que sejam mal utilizadas e acima de
1500 hectares.
Então, nenhum fazendeiro que
tenha menos de 1500 hectares vai ser atingido e nenhum deles pode dizer que não
vai ficar rico se ele trabalhar na terra com mil hectares, com 1,2 mil
hectares. Nossa lei de Reforma Agrária é muito generosa para os fazendeiros.
Mas nem isso eles aplicam.
O governo acabou com outras
políticas públicas que ajudavam o camponês na época do Lula e da Dilma, como
por exemplo, o Programa de Assistência Técnica, que pagava os agrônomos para
levar assistência técnica; o programa de compra de alimentos, que depois era
transferido para as escolas, para os quartéis, hospitais, que é o chamado PAA.
Hoje, os camponeses, seja com
terra ou sem-terra, praticamente estão à deriva porque o governo golpista
dominado pelos fazendeiros simplesmente os abandonou. E agora estão ameaçando
com uma situação ainda pior: o governo vai mandar uma Medida Provisória nos
próximos dias para o Congresso autorizando a venda das nossas terras para o
capital estrangeiro, que hoje está proibido.
Pela Constituição, um capitalista
estrangeiro só pode comprar até 1500 hectares e tem que passar pelo Congresso e
pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. E o governo
diz que colocar limites, que (o estrangeiro) "só vai poder comprar até 200
mil hectares". Ora, a cidade de São Paulo tem 100 mil hectares! É como se
uma multinacional viesse aqui e pudesse comprar toda a cidade de São Paulo só
pra você ter uma ilustração do tamanho.
Essa proposta de vender terra
para o capital estrangeiro é tão absurda que até as Forças Armadas, através do
Ministério do Exército, já se manifestaram contra porque uma das funções
constitucionais do Exército é proteger a soberania nacional do nosso
território.
O
que os movimentos populares e o MST vêm organizando de ações e lutas e como as
pessoas que não fazem parte de movimentos podem participar destas
manifestações?
Se o povo não se mobilizar, não
se manifestar, não protestar, não defender seus direitos, esse governo não vai
nos respeitar.
Então o MST, assim como outros
movimentos do campo, participa de uma coalizão que reúne mais de 80 movimentos
populares do Brasil, pastorais das igrejas católica, luterana, metodista,
chamada Frente Brasil Popular. Uma vez por mês nos sentamos para decidir o que
vamos fazer para defender os nossos direitos.
No nosso calendário de lutas, no
dia 15 de março os professores e professoras marcaram o início de uma greve
geral em defesa da educação e contra a reforma da previdência.
O caso dos professores é ainda
mais grave. Imagine uma senhora professora com 65 anos de idade, dando aula
numa sala de aula, aguentando os nossos filhos? Isso é uma agressão! Ou seja,
em todos os países o professor precisa ser valorizado, porque é ele quem educa
os nossos filhos. Então com 25 anos em sala de aula já está bom.
Daqui pra frente vamos para as
ruas, vamos apoiar os professores nas greves, vamos ocupar prefeituras, as
escolas de ensino médio para protestar contra esse governo. E não podemos mais
parar enquanto não derrubarmos esse governo. O Temer não foi eleito por ninguém
e eles derrubaram a Dilma, que não cometeu nenhum crime. Vamos à luta
companheiros, porque só não ganha quem não luta!
Por Vivian Fernandes , 11 de março de 2017
Fonte: Brasil de Fato
Ouça o áudio da matéria : www.brasildefato.com.br/2017/03/11/se-reforma-da-previdencia-fosse-justa-valeria-para-politicos-critica-stedile/
Edição: Camila Maciel
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